

O maior dos crimes de Jair Bolsonaro segue sem punição. Segundo cálculos de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas, ao menos 100 mil brasileiros (número que poderia chegar a 400 mil) estariam vivos hoje se Jair não tivesse consistentemente sabotado o controle da pandemia de Covid-19.
E veja: não é que o então presidente não tenha feito nada. Foram quase dois anos de atuação deliberada contra as medidas sanitárias, nas quais recursos públicos e energia foram gastos brigando com governadores, desobedecendo o STF, fabricando óleo de cobra em laboratório militar e escarnecendo os mortos e seus familiares.
Os atos de Bolsonaro na pandemia provavelente mataram ao menos duas vezes mais brasileiros que Solano López e 200 vezes mais brasileiros que Hitler e Mussolini.
Não custa lembrar que o Brasil, com 3% da população mundial, teve 10% dos mortos por Covid.
E que o governo então sabia tão bem o que estava fazendo contra a saúde da população que passou a esconder as estatísticas de mortos e infectados, forçando a imprensa a criar um consórcio para reportar a informação pública ao país.
O ministro da Saúde que operou tudo isso a mando do chefe hoje é deputado federal e passeia alegre pelos corredores do Congresso.
Mas os atentados do agora ex-capitão contra o Brasil não se limitaram à pandemia. Como você verá nesta edição da newsletter, seu governo também foi consistente na tentativa de destruir a governança ambiental brasileira, estimulando criminosos a agir contra nossas florestas e seus ocupantes tradicionais.
O desmatamento na Amazônia teve sua maior alta percentual num mandato presidencial desde o início das medições, em 1988, e as invasões de terras indígenas bateram recorde.
Assim como na pandemia, esse legado de Bolsonaro e do bolsonarismo é duradouro. O agro se radicalizou no Congresso (onde a união entre ruralistas, Centrão e extrema-direita foi fortalecida na última eleição e hoje patrocina o maior desmonte da legislação ambiental de nossa história) e fora dele.
E facções criminosas aprenderam a lavar dinheiro com garimpo e gado nos anos em que o Ibama e a PF passaram sem poder atuar na Amazônia.
Vinte e sete anos e três meses por tentativa de golpe de Estado e planejamento de assassinatos políticos não trazem reparação aos mortos da pandemia nem aos povos indígenas, mas é um começo.
O Brasil termina esta semana histórica mais civilizado e sinalizando ao mundo que há limites, afinal, à sanha da extrema-direita.
Claro, há percalços: a anistia segue viva no Congresso; o voto de Luiz Fux, que desafia o jornalismo investigativo, pode complicar as coisas lá na frente; e há sempre a possibilidade de um Tarcísio de Freitas vencer a eleição em 2026 e indultar todo mundo.
Mas esta é uma preocupação para o Brasil da segunda semana de setembro. Hoje a gente comemora. Beba com moderação.
O passivo ambiental de jair messias bolsonaro
Recordamos dez atos do ex-presidente (e atual presidiário) contra o clima, as florestas e os povos indígenas
Grande dia – e ponha grande nisso. Depois de um 11 de setembro marcado por um golpe de Estado no Chile, e um 11 de setembro marcado por um atentado terrorista nos Estados Unidos, temos, finalmente, um 11 de setembro a ser comemorado.
Pela primeira vez, o Brasil pune militares de alta patente pela tentativa de golpe de Estado. Dentre eles, há um capitão reformado prestes a perder a patente chamado Jair Bolsonaro.
Bolsonaro e seus milicos amestrados receberam penas que oscilam entre 16 e 27 anos de cadeia, por crimes como organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado (alô, PCC, alô, Faria Lima, cuidado!).
Fez-se Justiça, mas não sem uma dose de frustração – afinal, Jair e seu elenco seguem impunes pela ficha corrida de crimes ambientais e pela morte de ao menos 100 mil brasileiros (dos 700 mil ceifados pela pandemia de Covid-19).
(O general Eduardo Pazuello, aquele do “um manda, o outro obedece”, exerce livremente o mandato de deputado federal).
Mas como seria se Bolsonaro e cia fossem indiciados, investigados e punidos por seus crimes ambientais?
O Observatório do Clima consultou advogados para fazer esse exercício de imaginação dosimétrica.
Primeiro, elencou dez infrações cometidas por ele à frente de um governo que contava com Ricardo Salles, Eduardo Bim e todo um escrete de garimpeiros, madeireiros e grileiros em geral.
A lista de acusações inclui sabotagem ao Ibama, vista grossa à invasão de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami e extinção do PPCDAm, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, o que ajudou a causar um aumento de 60% do desmatamento na Amazônia durante o mandato do extremista em comparação aos quatro anos anteriores.
(Há outros sete pontos que poderiam ser levados à Corte, listados aqui).
Num julgamento hipotético, alguns dos crimes de Bolsonaro poderiam ser enquadrados na lei 9.605/1998, de Crimes Ambientais, ou no artigo 319 do Código Penal, levando a uma pena que poderia chegar a 20 anos.
Seria uma sentença dada em nome da castanheira da Amazônia, da onça do Pantanal e de tantos outros seres, inclusive humanos, violentados em quatro anos de desgoverno.
O Tribunal de Haia já tem uma queixa aberta contra Bolsonaro, apresentada por povos indígenas. Tá na hora do Jair já ir sendo julgado lá também. (Roberto Kaz é editor da Central da COP)
(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Trumpocalipse
Agência ambiental dos EUA pode parar de monitorar emissores de carbono
Falando em crime ambiental, ontem (12/9), a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) anunciou um plano para encerrar o monitoramento das emissões de gases-estufa por usinas de energia, instalações industriais, refinarias de petróleo e outros poluidores nos EUA.
Criado em 2009, o Programa de Monitoramento de Emissões de Gases de Efeito Estufa rastreia as emissões de cerca de 8 mil instalações no país e informa tecnicamente a elaboração de políticas para enfrentar a crise climática.
Para a EPA sob Donald Trump, no entanto, é apenas “uma burocracia inútil”.
Impressão digital
Estudo pioneiro liga grandes petroleiras a ondas de calor
Emissões de gases-estufa por grandes petroleiras e produtoras de cimento contribuíram diretamente para ao menos 213 ondas de calor extremo que causaram mortes e prejuízos pelo mundo de 2000 a 2023.
Sem a poluição atribuída à ação das 180 “carbon majors”, parte significativa desses eventos seria menos intensa ou mesmo “virtualmente impossível” de ocorrer.
Os dados são de estudo publicado na última quarta-feira (10) pela revista Nature, Metade do aumento da intensidade de todas as ondas de calor neste século também pode ser atribuída às emissões dessas 180 entidades.
A Petrobras integra a lista das quinze maiores poluidoras, que também inclui as norte-americanas ExxonMobil (que causou sozinha 51 ondas de calor) e Chevron, as britânicas British Petroleum e Shell, além das estatais Saudi Aramco (Arábia Saudita), Pemex (México), Gazprom (Rússia), National Iranian Oil Company (Irã) e CHN Energy (China). Mais aqui.
Novo anormal
Enchentes no Paquistão já desalojam 2 milhões
Chuvas torrenciais que atingem diversas localidades do Paquistão vêm provocando enchentes e centenas de mortes.
Quase 2 milhões de pessoas tiveram que ser retiradas de suas casas.
Na província de Punjab, na região leste do país, a inundação é considerada a pior da história, com quase 4 milhões de atingidos. Segundo balanço divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês), 3.952 vilarejos da província estão completamente inundados.
Levantamento da Autoridade Nacional de Gestão de Desastres do Paquistão contabilizou 892 pessoas mortas e 1.116 feridas em razão das inundações.
Foram registrados danos a 9.406 casas e a perda de 6 mil cabeças de gado.
Mais aqui.
Pelo fim do genocídio
solidariedade à Flotilha rumo a Gaza
Em nota divulgada na última quarta-feira (10/9), o Observatório do Clima manifestou solidariedade à Global Sumud Flotilla, o conjunto de dezenas de barcos que navegam pelo Mediterrâneo para tentar furar o bloqueio marítimo ilegal de Israel a Gaza e entregar ajuda humanitária às vítimas do genocídio.
A flotilha, que tem uma delegação de brasileiros, sofreu nesta semana dois ataques com drones no porto de Túnis, na Tunísia, onde a missão faz parada técnica. Leia a nota aqui.
Transição justa
OC lança estudos sobre transformação da Petrobras
O Observatório do Clima lança no Rio na próxima terça-feira (16) dois estudos que mostram como a Petrobras poderia iniciar sua conversão de empresa de petróleo em uma gigante do setor de energia.
Um deles, “A Petrobras de que Precisamos”, foi escrito por 30 organizações da rede.
O outro, “Alternativas para a Descarbonização do Portfólio da Petrobras”, por dois economistas da UFRJ. O lançamento ocorre no hotel Windsor Guanabara, no Centro, a partir das 9h.
Central da cop
Campo alagado
Uma carta à COP em defesa das turfeiras
As turfeiras são formações naturais de solo encharcado, onde resíduos de matéria orgânica se acumulam ao longo de milhares de anos, formando um “cofre subterrâneo de carbono”, como descrevem Gustavo Figueirôa e Luciana Leite.
Segundo estudo citado pela Environmental Justice Foundation, a conservação e restauração de turfeiras poderia evitar a liberação de até 800 milhões de toneladas de CO₂ anualmente.
Por isso, o Instituto SOS Pantanal e organizações da sociedade civil lançaram uma carta aberta pedindo que as áreas úmidas sejam incluídas nas políticas climáticas globais.
Jogo suado
Palcos da próxima Copa ultrapassam limites de calor
Por vezes a Central da COP fala até de Copa. Um estudo divulgado pelas organizações Football for Future e Common Goal alerta: dez dos 16 estádios da Copa de 2026 já ultrapassam limites seguros de calor.
A pesquisa, que ouviu 3.600 torcedores nas três nações-sede (Canadá, México e Estados Unidos), mostrou que 86% deles querem que clubes e entidades se posicionem sobre a crise climática.
A matéria de Pamela Gouveia, do Climainfo, aponta que campos comunitários usados por jovens atletas estão sendo ameaçados por calor e eventos extremos.
Jogada de fé
Religião e ciência no mesmo time
No Brasil, sete em dez evangélicos acreditam no aquecimento global, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) em junho 2024. Logo, é de se supor que a fé possa ser usada como aliada da ciência na luta contra as mudanças do clima.
A iniciativa Fé no Clima, que promove formação de juventudes, encontros inter-religiosos e mobilização política, está prestes a celebrar dez anos com uma série de Vigílias pela Terra até a COP30.
A proposta é reforçar que lideranças religiosas podem ser aliadas centrais na proteção da “casa comum”, conta Maria Rita Villela.
Eu fico muito triste…
Salles vira réu no STF em escândalo de madeira
Ricardo Salles bem que tentou escapar, mas terá de se ver com Alexandre de Moraes.
O ministro acatou manifestação da Procuradoria-Geral da República e decidiu que o ex-ministro do Desmatamento Meio Ambiente de Jair Bolsonaro será julgado pelo STF no inquérito da Operação Akuanduba.
A PF indiciou Salles por nove crimes, inclusive facilitação a contrabando de madeira, mas a demissão do advogado paulista do ministério levou o processo à primeira instância.
Segundo o jornalista Guilherme Amado, o procurador Paulo Gonet concluiu que o processo deveria correr no STF, pois os supostos crimes teriam sido cometidos com Salles ainda ministro.
Na playlist
Os streamings nesta semana estão repletos de playlists comemorativas ao resultado do julgamento na Primeira Turma do STF.
Deixamos aqui só algumas sugestões: Só não vai Jair, do Medo e Delírio e Chinaína. Tá na hora do Jair, já clássico de Juliano Maderada e Thiago Doidão.
Extrema-Unção, do Eventos Extremos. Vou festejar, de Beth Carvalho. Bolso Nada, do Francisco El Hombre.
O Bolsonaro vai ser preso, de UsMagrão 3 batidinhas, toc, toc, toc, de Nino Antunes.