Evento na Assembleia Legislativa reuniu representantes de diversas esferas da gestão pública, entidades de classe, organizações da sociedade civil e especialistas em saúde pública
27/06/2025 – Durante participação no seminário “Desafios na Gestão em Saúde: Enfrentamento à Violência contra Profissionais de Enfermagem”, realizado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul na última quarta-feira (25), a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), Cândice Gabriela Arosio, chamou atenção para o crescente adoecimento mental de trabalhadores no país, especialmente no setor público e da saúde.
Ao citar dados do Ministério da Previdência Social, Arosio destacou que o número de concessões de benefícios por transtornos mentais mais que dobrou no Brasil, nos últimos dez ano, saltando de 221 mil em 2014 para 472 mil em 2024.
“Em vez de promover dignidade, para muitos o trabalho tem provocado adoecimento mental ao redor do mundo. No Brasil, o fenômeno vem ganhando contornos epidêmicos”, ressaltou.
Em sua fala, a dirigente do MPT-MS reforçou que essa realidade não se restringe ao setor privado.
No serviço público, a precarização e os ambientes nocivos também geram profundas consequências.
Em 2023, o MPT recebeu 14.349 denúncias de assédio moral e 1.512 denúncias de assédio sexual em todo o país.
Segundo ela, esses números refletem um problema estrutural que compromete a integridade física, mental e emocional dos trabalhadores.
Arosio também fez referência à Convenção nº 190, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê um único ato como suficiente para a configuração do assédio moral.
Ela ainda esclareceu que as causas do assédio moral estão frequentemente ligadas a abusos de poder, metas inatingíveis, culturas autoritárias e falhas de governança, o que resulta na degradação deliberada das condições de trabalho.
As consequências são devastadoras não apenas para a vítima, que pode sofrer de depressão, insônia, hipertensão, síndrome do pânico e até ideação suicida, mas para as organizações, que enfrentam aumento do absenteísmo (faltas), queda na produtividade e rotatividade elevada.
No caso dos agressores, a procuradora-chefe sublinhou que a responsabilização pode incluir desde a rescisão contratual por justa causa, no caso dos empregos formais celetistas, ou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar, com aplicação de penalidades previstas no serviço público, além de sanções cíveis e penais conforme a gravidade dos danos causados às vítimas.
Encerrando sua exposição, Arosio enfatizou que o MPT-MS atua não apenas na repressão, mas busca a construção coletiva de soluções, com foco na prevenção e no fortalecimento do diálogo social.
Ela orientou as vítimas a denunciarem episódios de violência e assédio aos órgãos e entidades competentes, como MPT, sindicatos, ouvidorias e comitês internos, assim como a juntarem provas, testemunhos e apoio de colegas e familiares.
Articulação interinstitucional
O seminário, proposto pela deputada estadual Gleice Jane (PT), reuniu especialistas, representantes institucionais, gestores e membros da sociedade civil, com o intuito de aprofundar debates sobre os variados tipos de violência que têm acometido profissionais da enfermagem, e discutir medidas concretas para garantir ambientes laborais mais seguros e humanizados.
A abertura do evento foi conduzida pela parlamentar, que reforçou a urgência do tema ao evidenciar relatos constantes de agressões físicas e psicológicas sofridas por profissionais da enfermagem, especialmente em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).
“Temos enfrentado duas situações: de um lado, o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisa de atendimento imediato; e, do outro, o servidor, que muitas vezes encontra limitações no desempenho de suas funções e acaba sendo atacado por alguém em situação de estresse. Precisamos entender onde está o problema e como resolver essa situação”, destacou Gleice Jane.
Vínculos precários e disparidades estruturais
A programação do seminário incluiu ainda a palestra da doutora em Psicologia e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maria Helena Vieira Machado, que apresentou um panorama nacional sobre as condições precárias de trabalho na enfermagem, agravadas com a pandemia de Covid-19.
A pesquisadora abordou as desigualdades raciais e de gênero que atingem a profissão e defendeu políticas estruturais para coibir baixos salários, terceirizações, necessidade de múltiplos empregos e falta de proteção no ambiente laboral. “Mais de 80% dos 3,2 milhões de profissionais da categoria é composta por mulheres, com grande presença de pessoas pretas, pardas e indígenas. Não podemos discutir condições de trabalho sem considerar o racismo, a discriminação e as desigualdades que estruturam o setor”, sustentou.
Também contribuíram com os debates o presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-MS), Leandro Afonso Rabelo Dias, e o conselheiro Wilson Brum, que compartilharam dados sobre as ocorrências de violência e as ações da entidade para acolhimento das vítimas; a promotora de Justiça Daniela Cristina Guiotti, que apontou entraves no sistema de saúde; a secretária municipal de Saúde de Campo Grande, Rosana Leite de Mello; o superintendente do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), Hermeto Macario Amin Paschoalick, entre outras autoridades.