Observatório do Clima – comunicacao@oc.eco.br

Para alguém que vai liderar uma cúpula do clima decisiva daqui a pouco mais de um mês, Luiz Inácio Lula da Silva foi extremamente contido em seu discurso na última terça-feira (23) na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Lula dedicou menos de três minutos dos 18 de sua fala à maior ameaça coletiva vivida pela humanidade, e nesses três minutos definitivamente não inspirou nenhum país a abandonar os combustíveis fósseis ou a aumentar a ambição de suas metas.
O líder climático do Sul Global ovacionado em 2022 em Sharm El-Sheikh, quando ofereceu a Amazônia como sede da COP30, não deu as caras em Nova York.
Isso não significa que o discurso de Lula tenha sido ruim. Muito pelo contrário: o presidente brasileiro fez uma fala potente, objetiva e inspiradora, que abriu o Debate Geral da ONU pautando todos os temas que deveriam ser pautados.
Se faltaram os tons de verde de seu discurso de 2022 no Egito, ou de 2007 no mesmo púlpito na ONU, a culpa é menos de Lula e mais do contexto mundial – o mais desfavorável à ação climática em três décadas.
Lula não poderia deixar de dedicar a maior parte de sua fala à principal ameaça ao clima e ao multilateralismo, a ascensão da extrema-direita anticiência e pró-fósseis personificada por Donald Trump.
Não poderia deixar de chamar pelo nome o genocídio praticado impunemente por Israel na Palestina. Nem de defender uma regulação responsável das big techs, que não se confunde com censura, esta sim praticada pelos donos dos algoritmos e pelos seus países de origem.
E não poderia não saudar a democracia brasileira, que resiste ao maior ataque por uma potência estrangeira desde 1964, com “química” ou sem “química”.
Para o clima, sobrou o que sobrou. A diluição desta crise em meio a tantas outras reduz a possibilidade de sucesso da COP30 – ao mesmo tempo em que aumenta a sua importância. Boa leitura.
Cúpula do clima na ONU tem meta da China e discurso contido de Lula
Evento, na última quarta em Nova York, sedimentou insuficiência das NDCs; resposta caberá à COP30
Na última quarta-feira (24), o maior poluidor climático do mundo anunciou enfim sua NDC, o compromisso de corte de emissões de gases de efeito estufa no Acordo de Paris.
O presidente da China, Xi Jinping participou por videoconferência na cúpula de líderes sobre clima organizada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sede da organização, em Nova York.
E declarou que seu país reduzirá emissões em 7% a 10% até 2035 “em relação ao pico”. O compromisso é estranho, já que ninguém sabe ao certo se a China atingiu o pico de emissões no ano passado (com 15,8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, ou 32% do total mundial) ou se o atingirá este ano.
Por isso, é difícil neste momento traduzir a meta em toneladas de carbono reduzidas, e a linha de base poderá variar.
Por outro lado, o anúncio chinês merece ser comemorado, por três motivos: é uma sinalização positiva para a COP30; é a primeira vez que a China admite metas de redução absolutas e para toda a economia; e os chineses têm o hábito de prometer menos do que costumam entregar no mundo real.
No total, 101 países marcaram presença no evento. Destes, 47 apresentaram novas NDCs e 51 prometeram submetê-las até o fim do ano.
Essas nações respondem, juntas, por 68% das emissões de gases de efeito estufa do planeta. Lula, como anfitrião, fez mais um discurso correto, porém pouco inspirado.
“Em um mundo em que graves violações se tornaram corriqueiras, deixar de apresentar a NDC parece um mal menor. Mas, sem o conjunto das NDCs, o mundo caminha no escuro”, afirmou, repetindo o discurso da véspera, na abertura da Assembleia Geral.
No dia anterior, Lula dedicou menos de três minutos dos mais de 18 de seu discurso à crise do clima. Tratou de múltiplas crises, do tarifaço americano à regulação das plataformas digitais ao genocídio em Gaza. Ao falar de clima, foi contido.
Além de cobrar as NDCs, voltou a mencionar a criação de um Conselho de Mudança Climática na ONU.
Para a surpresa de ninguém, a cúpula climática na ONU confirmou que as NDCs apresentadas em 2025 serão insuficientes para colocar o mundo numa trajetória de aquecimento de 2ºC – que dirá 1,5ºC, como prevê o Acordo de Paris.
Ficará para a COP de Belém a tarefa de responder politicamente ao hiato entre o que está sendo prometido e o que deveria ser alcançado. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Drible
Congresso apresenta 833 emendas para ressuscitar PL da Devastação
Nota técnica do Observatório do Clima revelou que deputados e senadores articulam para retomar retrocessos vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no PL da Devastação, que tentou destroçar o licenciamento ambiental do país.
Das 833 emendas apresentadas à Medida Provisória 1.308/2025, que o presidente mandou ao Congresso para regulamentar parte da legislação vetada, 616 (74%) reintroduzem itens excluídos por ele próprio no mês passado na sanção da Lei 15.190 (a lei que resultou da aprovação do PL 2.159, o PL da Devastação).
Do total de propostas, 80% representam recuos em relação ao que o Executivo procurou corrigir. Leia aqui.
Paraíso pro Aedes
Sem ação climática, Brasil terá 30% a mais de mosquito da dengue em 2080
Estudo publicado no dia 18 aponta que a ação climática pode controlar o aumento expressivo do risco de doenças como dengue, zika e chikungunya no Brasil até 2080.
A pesquisa utilizou modelagem para estimar o aumento da população de mosquitos transmissores das doenças no intervalo de 55 anos sob diferentes cenários climáticos.
A conclusão é que, com a emissão descontrolada de gases-estufa (resultando em maior aumento de temperatura global e mudança no regime de chuvas), a densidade de Aedes aegypti no Brasil em 2080 aumentará 31% em relação a 2024.
Com redução nas emissões, a população dos mosquitos cresceria 11% no mesmo período. Mais aqui.
Rota para descarbonização
Petrobras pode ser líder em energia limpa, mostram estudos
Para o Brasil cumprir seus compromissos internacionais de redução de emissões de gases de efeito estufa, a Petrobras vai ter que mudar.
Dois documentos lançados no último dia 16/9 começam a responder como. Eles dão as primeiras direções para transformar a maior companhia brasileira, fazendo-a transitar de uma empresa de óleo e gás para uma gigante de energia.
“Questões-Chave e Alternativas para a Descarbonização do Portfólio de Investimentos da Petrobras”, produzido pelos economistas Carlos Eduardo Young e Helder Queiroz, da UFRJ, e “A Petrobras de que Precisamos”, produzido pelas 30 organizações do Grupo de Trabalho em Energia do Observatório do Clima, pautam o debate sobre transição energética justa – que o governo brasileiro tenta postergar.
Mais aqui.
Novo anormal
Fumaça de queimadas matará 6 vezes mais até fim do século
A fumaça de incêndios florestais provocados pelo aquecimento do planeta será diretamente responsável por 1,4 milhão de mortes por ano ao fim deste século, ou seis vezes a média atual.
A maioria das vítimas será de países pobres, especialmente os da África subsaariana.
A estimativa, que considera um cenário em que as atuais tendências de emissões de gases estufa são mantidas, consta de estudo conduzido por pesquisadores da universidade de Tsinghua (China) e publicado pela revista Nature.
Deu certo
Camada de ozônio deve estar “curada” no meio do século
A camada de ozônio, que protege a Terra da radiação ultravioleta do Sol, registra neste ano os seus melhores indicadores em décadas, e o infame “buraco” na Antártida descoberto nos anos 1980 segue a caminho de se fechar no meio do século.
Os dados são de relatório divulgado no último dia 16/9 pela OMM (Organização Meteorológica Mundial).
Eles mostram que, 38 anos depois de sua ratificação por 198 países, o Protocolo de Montréal, acordo internacional que baniu os poluentes que destruíam o ozônio sobre os polos, segue dando resultados positivos.
Vai dar errado
Agro tenta minar Plano Clima
O agronegócio está manobrando para comprometer a integridade das metas nacionais de redução de emissões do Plano Clima Mitigação.
Em carta enviada na última quarta-feira (24/9) ao secretário nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Aloisio Melo, o Observatório do Clima alertou para os riscos da inclusão de florestas em propriedades privadas na conta das remoções de gases de efeito estufa, proposta pelo setor.
Essa conta, aponta o OC, deve ser feita “com adicionalidade”.
A grande contribuição do agro para o Plano Clima está na redução do desmatamento – algo que o setor rejeita.
As organizações apontam ainda que as versões divulgadas dos planos setoriais de mitigação do Plano Clima apresentam uma série de gargalos e lacunas.
Leia mais aqui.
Eu podia estar roubando
Brasil mendiga dinheiro para pagar hotel em belém
O repórter João Gabriel mostrou neste sábado na Folha que a Casa Civil da Presidência da República resolveu passar o pires na filantropia e em bancos multilaterais para custear hospedagem de países menos desenvolvidos em Belém.
O gesto demonstra desespero e incompetência de um governo que teve quase três anos e muitos bilhões de reais para evitar a crise de logística que ameaça a COP, mas que preferiu se escudar em ufanismo em vez de resolver o problema.
Que tampouco será resolvido com este remendo, mesmo que pingue algum no chapéu de Rui Costa.
Central da cop
A voz das arquibas
De barqueata a banquetaço, cúpula dos povos quer agitar Belém
A Cúpula dos Povos por Justiça Climática, que acontece de 12 a 16 de novembro em Belém, promete ser a maior mobilização popular por justiça social e climática do mundo.
Segundo Maureen Santos, da FASE, será uma reunião de mais de 20 mil pessoas e 1.100 organizações e movimentos do Brasil e do mundo.
O evento será encerrado com a entrega de uma carta com reivindicações da sociedade civil ao presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago.
Após três anos de COP em autocracias, a sociedade civil voltará a participar ativamente.
Corta-luz
Quilombolas do pará cobram energia elétrica para quem está no escuro
Quilombolas de Abaetetuba (PA) divulgaram uma carta-manifesto cobrando fornecimento de energia elétrica renovável para quem vive sem luz no estado que vai sediar a COP30.
O documento exige respeito à Convenção 169 da OIT e à justiça tarifária, incluindo isenção e compensações, com prioridade para escolas, postos de saúde e centros comunitários.
Reportagem de Maria Helena dos Santos, Rosicleia Ferreira e Vinícius Silva conta que moradores denunciam o “racismo energético” pelas contas altas e a precariedade do serviço.
Deu zebra? Não, deu mico!
Lutar pelo mico-leão-preto também é lutar pelo clima
Em julho de 2025, o 30º Congresso da Sociedade Internacional de Primatologia destacou em Madagascar a conexão entre clima e biodiversidade.
O mico-leão-preto, antes considerado extinto, tornou-se exemplo de resiliência graças ao trabalho do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), como aponta a reportagem de Gabriela Rezende.
O instituto superou a destruição da espécie envolvendo pessoas, tecnologia e ciência na solução.
Agora, a espécie enfrenta novos desafios causados pelos extremos climáticos, lembrando que a conservação só acontece com a proteção de ecossistemas.
Na playlist
Os protestos que selaram o enterro da PEC da Bandidagem no último dia 20 tiveram, no Rio, um encontro emocionante e histórico de Gil, Caetano, Chico e Djavan.
Dá vontade de morar nos vídeos do ensaio, como neste aqui, em que Djavan canta Linha do Equador, com ninguém menos que Gilberto Gil ao violão.
Falando em gênios de Alagoas, o maior deles, e um dos gigantes da história do jazz, nos deixou no último dia 13.
Aqui, São Jorge, de Hermeto Pascoal.