Na newsletter: Sob Lula, número de poços de petróleo perfurados é o maior desde 2016

De maneira lenta e segura, começam a se desenhar os contornos políticos da COP30.

Nesta semana, enquanto o governo Helder Barbalho passava vergonha com suas “eco-árvores” (sic), negociadores de clima se reuniram em Berlim para os tradicionais diálogos ministeriais de Petersberg, a primeira reunião de alto nível do calendário anual das COPs.

Houve celebração da presidência brasileira (e um certo alívio dos diplomatas pelo fato de a conferência em 2025 estar na mão de profissionais, sorry, Azerbaijão) e um surpreendente alinhamento com o fato de que agora é o mundo contra os EUA de Donald Trump.

Não basta para garantir o sucesso da conferência de Belém, e a espinhosa questão dos combustíveis fósseis não foi tratada.

Mas um sinal dos novos tempos é que o país mais importante para o futuro da descarbonização, a China, assinou uma declaração conjunta com a França no final desta semana reafirmando seu compromisso com o multilateralismo e com a transição para longe dos principais causadores da crise climática.

Depois de 60 dias de choque e pavor, as reações a Trump começam a emergir. Enquanto isso, no país-sede, até o passado é difícil de prever.

O governo Lula segue manobrando para forçar o Ibama a licenciar a perfuração de petróleo no Bloco 59, na Foz do Amazonas, para estimular investidores a arrematar mais 47 blocos na mesma bacia sedimentar em junho e garantir a reeleição eterna do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e vários outros políticos da região que esperam colher os dividendos da chegada da Petrobras.

Apesar das acusações do presidente ao órgão ambiental, você lerá nesta edição da newsletter um levantamento inédito que mostra que, longe de ficar de “lenga-lenga”, o Ibama na verdade acelerou as perfurações offshore no governo Lula 3: o aumento foi de 48% em relação ao governo daquele outro que virou réu no STF esta semana por tentativa de golpe de Estado. Um brinde à Primeira Turma e boa leitura.

Sob Lula, número de poços de petróleo perfurados é o maior desde 2016

Apesar de o presidente acusar órgão ambiental de “lenga-lenga”, total de perfurações offshore no país em 2023 e 2024 é 48% maior do que a média no governo Bolsonaro

O número de poços de petróleo offshore perfurados na primeira metade do governo Lula 3 é o maior desde 2016, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Foram 90 em 2023 e 91 em 2024, ante média anual de 61 no governo Bolsonaro.

O incremento no período é de 48,3%.

Outro dado: de janeiro de 2023 a fevereiro de 2025, a Diretoria de Licenciamento do Ibama emitiu 1.153 licenças e autorizações, e quase um terço delas (28,3%) foi para o setor de petróleo e gás.

A pressão sobre o Ibama pela concessão da licença para perfuração no bloco 59, na bacia da Foz do Amazonas, que fica a 160 quilômetros da costa do Amapá, aumentou após a eleição do amapaense Davi Alcolumbre para a presidência do Senado, em fevereiro.

Na ocasião, o presidente Lula acusou o Ibama de “lenga-lenga” e afirmou que o órgão ambiental parecia “contra o governo”. Como mostramos na última newsletter, a faca no pescoço do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, pela licença do bloco 59 tem origem em um documento assinado em 2020, no governo Bolsonaro.

É uma manifestação conjunta dos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME), com validade de cinco anos, para a oferta permanente de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural.

Ela vence um dia após a data escolhida pelo governo Lula para leiloar 47 blocos na bacia da Foz do Amazonas e outros 285 espalhados pelo país.

O leilão da ANP está marcado para 17 de junho. Um dos objetivos da pressa para liberar a perfuração do bloco 59 é não melar o leilão dos outros 47 blocos na mesma bacia.

A avaliação do governo é que um pedido de renovação da manifestação conjunta não teria respaldo da área técnica da pasta ambiental – isso já ocorreu no início do ano para 14 blocos em outra bacia, a Potiguar.

Nesta quinta-feira (27/3), o secretário de Petróleo e Gás do MME, Pietro Mendes, afirmou em evento realizado pelo Brasil 247 que “a licença precisa ser emitida até abril de 2025, pois o contrato da sonda responsável pela perfuração vence em outubro de 2025”.

“A perfuração em alto-mar demora por volta de seis meses, e o contrato da Petrobras com a sonda que faria esse trabalho vale até outubro deste ano. Assim, se o início passar de abril, é possível que não haja tempo hábil para o empreendimento ser completo. Neste caso, a empresa teria de gastar mais milhões de dólares para alugar um outro equipamento, com risco de ter que paralisar a obra até conseguir o novo contrato. O atual custo da máquina é de R$ 2,4 milhões por dia, e estima-se que foi gasto cerca de R$ 1 bilhão com o bloco 59”, apontou reportagem da Folha.

“Licenças e outras autorizações do setor de petróleo offshore sempre tiveram destaque na produção do Ibama. Exatamente por isso, deve-se reconhecer a prerrogativa da autarquia de rejeitar licenças quando necessário. A pressão política com tons de assédio em relação ao licenciamento do bloco 59 é inaceitável.

O foco não é este bloco específico, mas a intenção de expandir a exploração na Foz e em outras bacias da Margem Equatorial, em plena crise climática”, disse a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.

Imagem: Navio-sonda que está perfurando o poço Pitu Oeste, na Bacia Potiguar, também na Margem Equatorial. (Foto: Agência Petrobras)

Quem não tem EUA…

China e França declaram compromisso com agenda climática e transição dos fósseis

A gente já comentou sobre como a saída dos EUA do Acordo de Paris deixou um vácuo a ser preenchido por outras lideranças na agenda climática global. China, União Europeia, África do Sul e Brasil, sobretudo, ganharam mais responsabilidades na tarefa de enfrentar a maior crise da humanidade. Enquanto Lula arrisca a liderança brasileira apostando na expansão da exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas às vésperas da COP30, China e França correm por fora.

Na última quinta-feira (27), os dois países publicaram uma declaração conjunta reafirmando seu compromisso com a agenda climática e o emprego de “esforços contínuos para a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”, nos termos aprovados na COP28 (transition away from fossil fuels).

No ano que marca uma década da aprovação do Acordo de Paris, França e China não apenas destacaram a urgência da ação climática e da cooperação internacional, como enfrentaram o elefante na sala ao abordar a principal causa da crise do clima.

Os países se comprometem a “implementar o Acordo de Paris de forma ampla, completa e efetiva”, em ações baseadas nas conclusões do Balanço Global aprovado na COP28.

A eliminação gradual dos fósseis de forma justa, ordenada e equitativa aparece como parte dos esforços prometidos pelos dois países em cooperação para eficiência energética e descarbonização nas áreas de energia, indústria, transportes e construção civil.

Os países prometeram ainda apoiar a ação climática e implementar a nova (e insuficiente) meta coletiva de financiamento climático adotada na COP29.

A ver se a liderança se confirma na prática, o que passa também pela capacidade de os países (ou blocos, no caso da UE) fazerem seus deveres de casa.

China e União Europeia ainda não entregaram suas metas climáticas atualizadas, que deveriam ter sido apresentadas à ONU em fevereiro, e precisam apresentar um calendário para a eliminação gradual dos fósseis em suas matrizes energéticas.

A China, atual líder global de emissões, precisa ainda lidar com a expansão das usinas a carvão e reduzir emissões significativamente, iniciando finalmente a trajetória de queda da poluição climática.

Cabe ainda à União Europeia assumir sua responsabilidade como grande emissor histórico e se comprometer com a neutralidade de carbono antes de 2050, garantindo que países desenvolvidos tomem a dianteira no enfrentamento à crise do clima.

Dobrando a meta
Recorde de desastres em 2024

A intensificação das mudanças climáticas no último ano trouxe impactos que, em alguns casos, serão irreversíveis por séculos ou até milênios — como o aquecimento dos oceanos. Os dados são do relatório “Estado do Clima Global”, divulgado em 19 de março pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). O documento aponta recordes preocupantes, como a maior concentração de CO₂ em 800 mil anos e o maior número de deslocados por eventos extremos em 16 anos. Diante desse cenário, a OMM reforça a necessidade de ações urgentes para conter o aquecimento do planeta. A organização lançou ainda na última sexta-feira (28) uma versão do relatório com foco na América Latina e no Caribe e apontou que a temperatura média na região em 2024 ficou 0,9ºC acima da média do período 1991-2020. Um dos destaques do relatório é a Venezuela: o país perdeu em 2024 sua última geleira, a Humboldt, tornando-se o segundo país do mundo a ficar sem nenhuma — o primeiro foi a Eslovênia, na Europa. O documento também alerta para o agravamento da insegurança alimentar aguda na região, classificação usada quando a fome ameaça a vida. Eventos extremos, como inundações, calor intenso e secas, têm prejudicado a produção agrícola e elevado os preços dos alimentos. Entre os eventos destacados pelo levantamento, estão as secas históricas na Amazônia e no Pantanal e as enchentes no Rio Grande do Sul, que causaram perdas econômicas de R$ 8,5 bilhões ao setor agrícola.
Novo anormal
Derretimento acelerado de geleiras ameaça abastecimento de água

Pelo terceiro ano consecutivo, todas as 19 regiões glaciais diminuíram, totalizando 450 bilhões de toneladas de gelo a menos em 2024. No primeiro Dia Mundial das Geleiras, celebrado em 21 de março, a OMM e o Serviço Mundial de Monitoramento de Geleiras (WGMS, na sigla em inglês) alertaram para os riscos do derretimento acelerado, impulsionado pelo aquecimento global. As montanhas glaciais, como os Andes, são conhecidas como “torres d’água” do planeta, pois armazenam e fornecem água para diversas regiões. Com o derretimento intenso, esse abastecimento fica ameaçado, o nível do mar sobe, e os riscos de enchentes aumentam. Além disso, a redução das geleiras impacta diretamente o equilíbrio climático global. Leia mais aqui.

Fritadeira

Último verão foi o sexto mais quente no Brasil desde 1961

Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) indicam que o verão de 2024-2025, encerrado em 20 de março, registrou temperaturas 0,34 °C acima da média do período de 1991 a 2020. Com isso, tornou-se o sexto verão mais quente no Brasil desde 1961. Um dos estados mais afetados foi o Rio Grande do Sul, que enfrentou três ondas de calor: a primeira de 17 a 23 de janeiro, a segunda de 2 a 12 de fevereiro e a última de 1° a 8 de março. Segundo o INMET, os verões brasileiros tornaram-se progressivamente mais quentes desde a década de 1990. Leia mais.

Acabou a mamata

Supremo derruba dispostivo que favorecia garimpo ilegal
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a chamada “presunção de boa-fé” no comércio de ouro, dispositivo que impulsionava o garimpo ilegal. No último dia 21/3, os ministros decidiram por unanimidade referendar a decisão de Gilmar Mendes, que em 2023 já havia suspendido liminarmente a medida. A presunção de boa-fé estabelecia que uma declaração de regularidade quanto à origem do ouro emitida pelos próprios vendedores bastava para atestar sua legalidade. Na prática, isso permitia que garimpeiros ilegais praticassem crimes na cadeia de extração do minério e pudessem “legalizar” todo o processo por meio da emissão de uma autodeclaração de regularidade. O tema chegou ao STF a partir das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7273 e 7345, que questionaram o dispositivo e foram julgadas em conjunto. O Observatório do Clima prestou assessoria técnica e jurídica para a elaboração da ADI 7273, que teve como base um estudo elaborado pelo Instituto Escolhas, e acompanhou o processo como amicus curiae. Mais aqui.

Fora dos trilhos

Estudo de viabilidade da Ferrogrão tem falhas técnicas

Parecer técnico elaborado por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialistas do Observatório do Clima e do Instituto Socioambiental (ISA) apontou falhas no Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Ferrogrão. Menina dos olhos da bancada ruralista, o projeto de ferrovia ligaria Sinop, em Mato Grosso, aos terminais graneleiros de Miritituba, em Itaituba (Pará). O trajeto tem quase mil quilômetros, é rodeado por territórios indígenas e áreas de proteção ambiental, e pretende conectar as maiores regiões produtoras de soja e outros grãos no Centro-Oeste aos portos no Norte do país, de onde são exportados. Os especialistas identificaram falhas na avaliação dos impactos cumulativos do empreendimento e na projeção de desmatamento associado à ferrovia. Segundo o parecer, a ausência de risco de desmatamento apontada pelo EVTEA está baseada em premissas genéricas, não comprovadas e que entram em contradição com o próprio estudo. Mais aqui.

Violência política

Observatório do Clima manifesta solidariedade à ministra Marina Silva

Após os ataques criminosos do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o OC, rede com 133 organizações, manifestou solidariedade à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Leia a nota aqui.
Central da COP

Não me convidaram pra essa festa COP
Nome na porta. Área VIP. Crachá. Parece noitada do Neymar em Ibiza, mas é só mais uma COP. Verdade seja dita: sem essa organização regrada, um evento que recebe até 60 mil participantes não tem mesmo como funcionar – mas será que a sociedade civil está sendo devidamente contemplada? É sobre isso que escrevem Bárbara Gomes e Luan Werneck, do The Climate Reality Project Brasil: “A COP30 tem um enorme potencial de mostrar o impacto da sociedade civil nas negociações de clima, mas esta participação só será efetiva e democrática caso sejam implementados mecanismos transparentes, que garantam a distribuição das credenciais de forma equitativa e inclusiva. Sem essas ações, a COP de Belém corre o risco de se tornar um evento inacessível e elitizado, onde apenas aqueles com poder econômico poderão estar presentes.”
Arvorada neles!

O que é mais difícil? Achar um camisa 10 para a combalida seleção brasileira ou um camisa 10 para as cidades brasileiras resistirem às mudanças climáticas? No futebol a crise é grave, mas no clima, o camisa 10 existe, e se chama árvore. Beto Mesquita, da BVRio, escreve sobre o Plano Nacional de Arborização Urbana (PlaNAU), que deverá ter consulta pública em julho, para elevar a presença de vegetação nas cidades: “É fundamental e urgente que essa iniciativa resulte em efeitos práticos. Até porque o Brasil, que sediará a COP na Amazônia, tem 87% da sua população vivendo em áreas urbanas, segundo dados do IBGE.

Jogaço em abril
Anota na agenda, ainda mais se você for do Rio de Janeiro: no dia 12 de abril, sábado, 15h, a Central da COP estreia seu programa de mesa redonda, ao vivo, durante o Festival Amazônico que vai ocorrer no Museu do Pontal. Vai ter VAR em declaração de negacionista e cartão vermelho no lobby do combustível fóssil, além do sorteio de vários álbuns de figurinhas do Central. No palco, três convidados especialíssimos: Maureen Santos, da FASE, Gabrielly Santana, do Amazônia de Pé, e Bernardo Esteves, da revista piauí. A noite fecha com show de Fafá de Belém. É gol de placa.
Na playlist
“Spare your denial, shut the fuck up! See you in trial”. A mensagem de esperança em julgamentos vindouros fica por conta de Stop Climate Madness, do World In Flames, projeto musical do ativista e guitarrista alemão Sven Harmeling.

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